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Nos 50 anos da nossa democracia, o Centro de História da Universidade de Lisboa organiza um colóquio em torno dos textos e da cultura escrita na história da Democracia. Propõe-se explorar este entrelaçar através de dois ângulos. Aquele da teoria nos textos – os textos da democracia enquanto tradição e reflexão permanente sobre o regime – e aquele da prática dos textos – os textos e os seus suportes como materialidade necessária para o funcionamento do regime e que também decorre da sua prática. Bibliófila e bibliófaga, a democracia depende de textos e funciona pelas suas materialidades.
A Democracia é uma prolífera produtora e voraz consumidora de papéis e a cultura democrática é uma cultura da escrita e da leitura. Durante longos períodos da História, a Democracia não saiu do papel, que tanto preservava uma memória totémica das experiências da Antiguidade como ancorava esperanças e atualizações em propostas novas e devedoras, umas mais utópicas, outras procurando realismos possíveis. É certo que há experiências, tentativas, fugas e movimentos, tradições e escolas de pensar o mundo das quais os democratas são devedores. E para muitos, já em regimes democráticos, a democracia também nunca saiu verdadeiramente do papel, seja pelos fossos que se mantém entre as promessas de regime e do seu quadro legal, e as suas concretizações históricas e limitações emancipatórias, seja pelo carácter de incompletude que as democracias assumem, dispondo de uma autocrítica permanente como método, sem estabelecer um estado acabado de regime ou um fim da História.
Como sistema que institucionaliza e depende de mecanismos de contínua reflexão e ajustamento legislativo, a democracia multiplica os papéis como meio para pensar, reivindicar e operar qualquer mudança: das petições, requerimentos, estudos de opinião, levantamentos e censos, actas das reuniões e relatórios de grupos de trabalho, ao estabelecimento de texto autoritativo para receber força de lei. Formamse especialistas na colecção, leitura e escrita de documentos democráticos, criam-se manuais de estilo, escolas e precedentes para os seus símbolos e semânticas. Multiplicam-se os panfletos, os cartazes, os jornais e os livros. A democracia cria bibliotecas e preserva arquivos, mas também tem os seus textos restritos, censurados, excluídos, contra-canónicos e marginais, pois prosperam também os seus críticos. A cultura escrita da democracia é inseparável da liberdade de expressão, da polifonia de vozes e da pluralidade de opiniões.
Que as democracias precisam de cidadãos informados é um truísmo recorrente, mas igualmente necessitam de leitores e escritores. A alfabetização e a literacia acompanham os processos de democratização, assim como os momentos de intensificação de criação escrita em liberdade e o decorrente florescimento de produção literária e teórica. Saber ler e escrever é condição necessária tanto para os democratas como para o seu sistema. A democracia é um ideal que estabelece um conjunto de instituições que depende das decisões livres e individuais dos cidadãos. Participativa ou deliberativa, a prática da democracia materializa-se nos textos e nas escritas que tanto sustentam a técnica e a arte de governar como operam a sua capacidade de pensar a sociedade para que ela se governe. O seu denominador mínimo é o metonímico boletim de voto, onde se lê e se escreve. A inscrição dos nomes aí impressos implicou coligir vários dossiers, previamente validados por instituições especializadas em ler e decidir sobre o valor das palavras, e entregues fisicamente para serem confrontados com outros dossiers e, assim, confirmar que cada candidato é quem é e pode ser eleito. Para exercer o direito de voto, apresentamos um cartão que demonstra que somos quem somos e damo-lo a ler a terceiros, muitas vezes desconhecidos, em quem confiamos que confirmem independentemente a nossa ontologia em cadernos e nos proclamem em voz alta.
A despeito da progressiva imaterialidade dos processos de produção e consumo documental inerentes à operabilidade do regime democrático moderno, cuja burocracia infinda acompanhou o seu desenvolvimento histórico, o papel continua a ser de tal forma central e angular no sistema democrático como suporte da validação e veracidade de testemunho e informação, que, por vezes, se impõe acima da voz do próprio cidadão, com uma estranha certeza ontológica. Trata-se do atestado, do certificado, do diploma, da factura, com o duplicado e o triplicado, enfim, a cópia em papel. Ao longo da sua vida, o cidadão vai coligindo um arquivo pessoal que o justifique e ateste, que lhe permita provar quem é perante os seus concidadãos. No agregado, a Democracia acumula e categoriza documentação, e o acesso a esta é tido como de fundamental justeza. Estar entre o cidadão e o depósito dos documentos que lhe dizem respeito é um “pequeno poder”. Esconder documentos é uma acusação grave, proibí-los é anti-democrático.
Nos 50 anos da nossa democracia, o Centro de História da Universidade de Lisboa organiza um colóquio em torno dos textos e da cultura escrita na história da Democracia. Propõe-se explorar este entrelaçar através de dois ângulos. Aquele da teoria nos textos – os textos da democracia enquanto tradição e reflexão permanente sobre o regime – e aquele da prática dos textos – os textos e os seus suportes como materialidade necessária para o funcionamento do regime e que também decorre da sua prática. Bibliófila e bibliófaga, a democracia depende de textos e funciona pelas suas materialidades.
(29/10)
9h15 | Sessão de Abertura
Maria Alexandre Lousada, José da Silva Horta (Universidade de Lisboa)
Hermenegildo Fernandes (Universidade de Lisboa) | O paradoxo do goliardo. Cultura escrita, mobilidade social e democracia. Uma visão do interior da Universidade.
10h00 | Sessão I | Democracia e Cultura Escrita na Grécia Antiga
Moderação: Nuno Simões Rodrigues
Paul Cartledge (University of Cambridge) | Assassination, Elections, and Democracy – ancient Athenian-style.
Irene Polinskaya (King’s College London) | Wind and Fog in the Hall of Mirrors: Writing Culture in the Athenian Democracy.
Delfim Leão (Universidade de Coimbra) | The Seven Wise Men and their Letters in Defence of Law and Democracy: a Literary Forgery Rooted in Biographical and Historical Tradition.
12H00 | Sessão II | Horizontes e Experiências Pré-Democráticas
Moderação: José Damião Rodrigues
Marco Alexandre Ribeiro (Universidade de Lisboa) | Experiências democráticas na Idade Média: reflexões em torno da participação política popular a partir da “contra-hegemonia” de Gramsci.
Diogo Pires Aurélio (Universidade do Porto) | A crítica das Escrituras na génese da democracia moderna.
Nuno Gonçalo Monteiro (Universidade de Lisboa) | Petições, requerimentos e representação política no Antigo Regime.
15h00 | Sessão III | Texto, Democratização, Descolonização
Moderação: Carlos Almeida
Paula Morão (Universidade de Lisboa) | José Gomes Ferreira, testemunha de revoluções – 1910 e 1974
Maria do Rosário Pedreira (Grupo LeYa) | Ler. Saber. Dizer Não
Augusto Nascimento (Universidade de Lisboa) | As contingentes palavras escritas e democracias em São Tomé e Príncipe.
Sarita Mota (Iscte – Instituto Universitário de Lisboa) | Escrita de direitos: do “papel passado” à inclusão social na democracia brasileira.
17h30 | Encerramento I
Moderação: Maria Alexandre Lousada
Janaína Martins Cordeiro (Universidade Federal Fluminense) | Mães do ano: participação feminina conservadora e ditadura no Brasil
(30/10)
9h30 | Sessão IV | Texto, Teoria e Prática
Moderação: Ricardo de Brito
Sérgio Campos de Matos (Universidade de Lisboa) | História, nação e concepções de democracia no republicanismo português.
Ernesto Castro Leal (Universidade de Lisboa) | Programas políticos republicanos e socialistas em Portugal: lugares de construção do discurso democrático (1891-1926).
António Pedro Barbas Homem (Universidade de Lisboa) | Constituição e cultura constitucional.
11h30 | Sessão V | Texto, Democracia, Comunicação
Moderação: Annarita Gori
Miriam Halpern Pereira (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) | A palavra ao povo: os jornais O Procurador dos Povos e O Democrata (1838-1840).
João Esteves (Investigador independente) | Do pensamento à ação, da palavra à mobilização: os textos “esquecidos” na complexa construção da cidadania feminina no dealbar do século XX.
José Neves (Universidade Nova de Lisboa) | Sobre a escrita sem autoria: comunismo e trabalho na democracia portuguesa.
14h30 | Sessão VI | Texto, Cristianismo e Democracia
Moderação: Paulo Fontes
Rita Mendonça Leite (Universidade Católica Portuguesa) | Os textos do cristianismo como fontes dinâmicas de diversificação e democratização: livro(s), escritura(s) e leitura(s).
Edgar Silva (Universidade Católica Portuguesa) | Manifestações do catolicismo de vanguarda durante o Estado Novo.
José Augusto Ramos (Universidade de Lisboa) | Traduzir a Bíblia em Horizonte de Democracia.
16h15 | Sessão VII | Memória, Arquivos e Democracia
Moderação e comentário: Pedro Estácio
António Araújo (Fundação Francisco Manuel dos Santos) | «O Mais Sacana Possível»: A revista Almanaque (1959-1961).
Irene Flunser Pimentel (Universidade Nova de Lisboa) | Arquivos e democracia: os arquivos da PIDE/DGS.
José Pacheco Pereira (Arquivo Ephemera) | Arquivos e Democracia.
18h00 | Encerramento II
Moderação: António Pedro Barbas Homem
António Costa Pinto (Universidade de Lisboa) | Pluralismo limitado e cultura escrita na transição democrática Portuguesa.
E-mail de contato do Evento: centro.his.comunicacao@letras.ulisboa.pt
Site do Evento: https://chul.letras.ulisboa.pt/eventos-detalhe.php?p=1715